Lygia Fagundes Telles adorava viajar. Mas, aparente contradição, detestava aviões.
“Por que estou sempre metida em algum deles?”, queixou-se à escritora Clarice Lispector, durante voo para a Colômbia, em 1974.
As duas eram convidadas de um congresso de literatura hispano-americana, em Cali. Para disfarçar o nervosismo, abriu um jornal e fingiu ler algumas notícias.
Não adiantou. Sentada na poltrona ao lado, Clarice esboçou um sorriso e tranquilizou a amiga. “Lyginha, minha cartomante já avisou que não vou morrer em nenhum desastre!”
Em terra firme, as duas logo se entediaram com o evento literário. “Essa gente fala demais!”, reclamou Clarice, ucraniana naturalizada brasileira.
Terminada a apresentação, foram às compras. Na volta, passaram pelo bar do hotel. Lygia pediu vinho e Clarice, champanhe.
“Na saída, precisávamos mascar chiclete porque nossos bafos estavam péssimos!”, recordou Lygia, aos risos, em entrevista ao jornal O Globo, de 15 de outubro de 2011.
O medo de voar não a impediu de conhecer dezenas de países. Com o segundo marido, o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, visitou o Irã, em 1968.
Convidada do Festival Internacional de Cinema, descobriu, durante visita ao túmulo do rei Ciro, da Pérsia, que a Pasárgada do poeta Manuel Bandeira não era uma invenção poética. “Sou um horror em geografia”, admitiu, em 2013.
Com os escritores Ivan Ângelo e Ignácio de Loyola Brandão, viajou para Nova York em 1982. Foram divulgar As Meninas, Zero e A Festa, recém-traduzidos para o inglês.
Entre um compromisso e outro, gravaram reportagem para a TV brasileira no Rockefeller Center.
Na hora em que Ivan Ângelo concedia entrevista, alguém da multidão quis saber quem era. “Paul Newman!”, improvisou Lygia, moleca. A notícia logo se espalhou.
“Faziam fila para autógrafos”, relatou o suposto sósia do galã ao Cadernos de Literatura Brasileira. “E ela ria, ria…”
“Em Berlim, ao ver que João Ubaldo Ribeiro tinha comprado caixas de uma ‘vitamina milagrosa’, exigiu que ele a levasse à farmácia para comprar um lote. ‘Preciso estar pronta para envelhecer’, dizia. Se alguém do grupo fizesse uma compra, ficava enciumada. Era preciso levá-la ao mesmo lugar. Grandes pessoas têm pequenas idiossincrasias”, afirma o jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão.
“A grande dama da literatura era uma mulher simples, low-profile, sem pose. Talvez soubesse que era grande. E ponto.”