“A Mulher da Casa Abandonada”, podcast investigativo que narra a história da moradora de uma casa abandonada em bairro nobre de São Paulo e que fugiu dos EUA após escravizar uma funcionária por cerca de 20 anos no país, se tornou um fenômeno à medida em que foi sendo compartilhado (e polemizado) em redes sociais — uma delas o TikTok, teve grande influência na repercussão da reportagem.
O auge aconteceu nesta quarta-feira (20) quando, horas após o último episódio ter sido divulgado, a Polícia Civil de São Paulo entrou na casa para verificar as condições do local e se haveria “abandono de incapaz”. Uma multidão começou a gritar na porta da casa e a influenciadora Luisa Mell apareceu para ver se havia animais a serem resgatados. Tudo isso foi transmitido ao vivo no programa Brasil Urgente, de Datena, e em várias lives no Instagram e TikTok.
Em live para assinantes do jornal Folha de S.Paulo, Chico Felitti, o autor do podcast, comentou sobre a repercussão e como o TikTok ajudou a popularizar a investigação. “Na terceira semana [de divulgação do podcast] teve uma explosão completamente inesperada, que eu atribuo ao TikTok e outras redes sociais. A juventude descobriu essa história e começaram a fazer vídeos na frente da casa”, disse.
Nos últimos dias, TikTokers como @jaquelineguerreiro, @beatrizmpessoa e @phmariafifi conseguiram mais de um milhão de visualizações em seus vídeos para a plataforma abordando o caso. Eles também filmaram suas visitas ao local, que se tornou uma espécie de ponto turístico para curiosos que acompanhavam o podcast.
Se por um lado as plataformas ajudaram a viralizar a reportagem, por outro foram palco para muita discussão em relação ao conteúdo do podcast, à reação do público, à repercussão na imprensa e a questões sociais que o programa levanta, como racismo estrutural e espetacularização.
Raquel Recuero, pesquisadora da UFPel e da UFRGS, diz ao Terra Byte que os podcasts do gênero true crime (que narram casos de crimes reais) têm crescido em popularidade não só no Brasil, mas em todo o mundo. Já o TikTok vem se tornando uma rede não só de entretenimento, mas também cada vez mais informativa.
A professora afirma que é possível que a repercussão gere uma maior pressão sobre o caso. Porém, sempre houve investigações paralelas de casos criminais. “Se antes aconteciam apenas em séries de TV, hoje esse movimento está sendo traduzido na internet”, comenta Recuero.
A pós-doutoranda da ECA-USP Magaly Parreira do Prado lembra que as pessoas sempre tiveram esse gosto por histórias de crime policial. “Um fato do dia a dia não viraliza. Já um fato criminoso, sim. Quanto mais escabroso, mais vai viralizar. Isso influencia alguns conteúdos midiáticos, como o próprio TikTok, às vezes aumentando esse horror para conseguir mais audiência”, pontua ela.
Prado também lembra que temos exemplos dessa febre na televisão e no rádio. Ela lembra do caso do comunicador Eli Corrêa, que lia cartas enviadas por ouvintes, e com o tempo, foi vendo que as cartas sobre histórias de crimes eram as que davam mais audiência. “Então ele não mexia na carta, mas mudava algumas coisas de lugar para dar um suspense maior”, lembra.
Para Prado, as redes sociais têm todo tipo de vocalização: da errônea à opinião baseada em experiências, e todas elas influenciam por tabela as investigações. “Subliminarmente recebemos essa ‘realidade aumentada’ que é consequência da disseminação do conteúdo nas redes sociais”, afirma.
Já Recuero entende que a maior parte dos conteúdos do TikTok na verdade só replica informações já existentes em outras mídias, sem adicionar muito de novo, apenas deslocando o formato.
Jaqueline Guerreiro viralizou no TikTok com 8 milhões de views sobre o caso d’A Mulher da Casa Abandonada. Ela conta que quando fez o vídeo, tinha ouvido os dois primeiros episódios do podcast. “Eu estava no shopping que fica pertinho da casa, decidi passar lá só por curiosidade e já haviam várias pessoas passando e parando lá pra ver a casa”, explica.
Ela tem uma página do gênero true crime no TikTok e conta com 1,1 milhão de seguidores e mais de 9 milhões de curtidas na plataforma. Para a criadora, o caso gera de fato muita curiosidade, principalmente por conta de a mulher nunca ter ido a julgamento, já que fugiu para o Brasil.
Mas Jaqueline pondera que há limites para a interferência: “Não acho certo vandalizar a casa ou tentar fazer justiça com as próprias mãos. Pelo fato do fácil acesso a casa que dá direto na rua, eu acho que a situação saiu um pouco do controle”, diz.