Projeto que pune quem tocar em policial é criticado por especialistas

Especialistas em segurança pública criticaram o projeto de lei aprovado ontem na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados que define os deveres do cidadão alvo de abordagem policial. Pelo texto, de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), quando interpelada pela polícia a pessoa deverá seguir os seguintes procedimentos: obedecer às ordens do agente; deixar as mãos livres e visíveis; não realizar movimentos bruscos; manter uma distância mínima de um metro. Além disso, o cidadão abordado fica proibido de “tocar no policial”. A pena para quem não seguir as regras é detenção de três meses a um ano, além de multa. O relator do projeto é o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ)
Ouvido pela coluna, Robson Rodrigues, coronel da PM do Rio, mestre em Antropologia e pesquisador da segurança pública, reconhece que há um vácuo na legislação que trata da abordagem, um momento crítico no trabalho policial. Mas Rodrigues acha o projeto ruim. “Nesse caso de proibir o toque, o texto extrapola, vai no caminho do autoritarismo. O que é um toque comum e o que é um toque agressivo?”, questiona.
O coronel diz que a proposta não é equânime. “É preciso que o projeto diga não só o que o cidadão tem que fazer, mas também o policial”, afirma.
De acordo com o oficial da PM, em vez de partir para a simples negação do projeto, os parlamentares progressistas deveriam propor um texto mais plausível, para evitar a aprovação do atual, já que é preciso regulamentar o que o policial e o cidadão devem fazer no momento da abordagem. “Se ficarem somente na negação, é pior. Corre o risco do projeto passar com esse texto problemático”, alerta.
A opinião de Ricardo Balestreri, ex-secretário nacional de Segurança Pública e atual secretário de Articulação da Cidadania do Pará, coincide com a de Rodrigues ao reconhecer que é estranho propor uma lei que determine limites apenas para o abordado e não estabeleça limites para quem aborda.
“Quanto ao fato de o policial não ser tocado, é tecnicamente correto, porque isso pode ser o início de uma ação agressiva contra o agente. Mas no fim das contas pode gerar muitas oportunidades de brutalidade policial, já que as pessoas mais humildes geralmente tocam nas outras ao falar”, explica Balestreri. “Isso pode ser incentivo para que as abordagens sejam ainda mais truculentas do que são”.
Segundo ele, mais produtivo que tratar isso na base da repressão e penalização seria o policial avisar ao abordado que ele não pode ser tocado e explicar os motivos.
Para Pedro Paulo Silva, pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), o texto não é condenável apenas no ponto em que proíbe o cidadão de tocar o policial. “O projeto inteiro é absurdo”, diz ele. “Também criminaliza quem realizar movimentos bruscos e obriga as pessoas a obedecer quaisquer ordens dadas pelo policial, sem especificar quais”.
O pesquisador avalia que, além de autoritário, o Projeto de Lei é desnecessário. “Os policiais já estão protegidos, como todos os demais funcionários públicos, pela previsão do crime de desacato à autoridade, com a vantagem de que eles dispõem dos meios de violência para deter o agressor e encaminhá-lo à delegacia”, defende Silva. “A novidade dessa lei consiste em atribuir ao policial o poder de prender pessoas que não cometeram crime algum e sequer o desacataram. Trata-se de conferir mais uma prerrogativa para facilitar o abuso de autoridade por parte de policiais”.
Agora, o texto vai ser votado em plenário.