Um rabugento Tom Hanks protagoniza ‘O Pior Vizinho do Mundo’

Histórias sentimentais sobre velhos mal-humorados e o declínio americano eram, até recentemente, domínio de Clint Eastwood.
Mas em O Pior Vizinho do Mundo, a adaptação de Marc Forster do best-seller de Fredrik Backman e um remake do filme sueco de 2016 Um Homem Chamado Ove, é Tom Hanks rondando a vizinhança e resmungando irritadamente sobre como as coisas costumavam ser. No original, Rolf Lassgård ocupou ricamente o papel de Ove, um viúvo mesquinho – um Forrest Grump – cujas tentativas de suicídio são frustradas por vizinhos carentes e, em última análise, por sua relutante e sincera devoção a eles. O filme estreia no Brasil no dia 26.
A exasperação, seja dirigida a um jogador de bola chorando ou a um cachorro babando, sempre esteve diretamente na casa do leme de Hanks. Mas o desânimo ou mesmo a simples melancolia de sair do gramado são características menos óbvias do ator às vezes chamado de “pai da América”. Após a virada vil de Hanks como o coronel Tom Parker em Elvis, o ator de 66 anos encontrou em Otto, personagem de O Pior Vizinho do Mundo, outro papel que curiosamente, embora nem sempre bem-sucedido, atende a seus pontos fortes enquanto ajusta sua presença na tela familiar.
Também pode roubar de O Pior Vizinho do Mundo, que abre com Otto comprando corda para se enforcar, um pouco de seu espírito. Sabemos que existem caminhos sombrios que Hanks simplesmente não vai percorrer, e algumas das primeiras cenas mais cáusticas do filme de Forster dão uma nota falsa. Mas enquanto O Pior Vizinho do Mundo percorre a vida de Otto, alternando suas brigas atuais com flashbacks de tempos felizes com sua esposa, Sonya (Rachel Keller), Hanks comove ao adaptar o papel para si mesmo. O desenrolar de O Pior Vizinho do Mundo não surpreende ninguém, mas serve para um pouco de emoção para o início do ano.
O filme se passa em uma casa geminada pré-fabricada em que Otto viveu por muito tempo, onde ele incansavelmente corrige qualquer quebra de regra, reclassifica a reciclagem perdida e repreende os motoristas que violam o regulamento da rua contra o tráfego.
O roteirista David Magee (de A Vida de Pi, Em Busca da Terra do Nunca) aproxima-se do filme sueco como uma espécie de parábola da comunidade. Para cima e para baixo na rua estão todas as pessoas que Otto recém-aposentado não tolera: amigos que se tornaram inimigos (Peter Lawson Jones, Juanita Jennings), um exercitador amigável (um encantador Cameron Britton), um entregador de jornais transgênero e ex-aluno da esposa de Otto (Mack Bayda).
Acima de tudo, há Marisol (uma fantástica Mariana Treviño), uma mãe grávida de dois filhos que acaba de ir morar com o marido (Manuel Garcia-Rulfo). Várias necessidades – um gato de rua, uma escada emprestada, aulas de direção – se intrometem nos desejos de Otto por uma morte pacífica e, entre tentativas abortadas de suicídio, gradualmente reacendem sua vontade de viver.
Às vezes é muito amplo. Mike Birbiglia interpreta um agente imobiliário predatório de uma empresa não tão sutilmente chamada Dye & Merica (“Parece a América morrendo, o que é verdade”, diz Otto.) Mas O Pior Vizinho do Mundo é menos realista do que uma fábula moderna, com tons de Scrooge e o Grinch. Como um conto de um homem solitário, Hanks oferece um comovente trabalho familiar. Rita Wilson, sua esposa, é produtora e é ouvida cantando uma música no filme. O Otto mais jovem é interpretado em flashbacks por seu filho, Truman Hanks. Até mesmo White Boy Summer, de Chet Hanks, toca no rádio de um carro.
Quanto menos for dito, provavelmente melhor, mas basta dizer que pode ser um sinal de que o renascimento de Kate Bush tão animadamente impulsionado por Stranger Things ainda não diminuiu. Se isso não é afirmação da vida, não sei o que é.